terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Escolástica da Hodiernidade


Há tempos não escrevo algo. Confesso que deve-se a uma simples e inconteste negligência. Sou um crítico ferrenho de toda e qualquer justificativa em que subjaz a célebre frase: “Não tenho tempo”. Somos adaptáveis demais para acreditarmos em justificativa tão pífia. Normalmente os que menos – nesta lógica contestável - têm tempo, são os que menos atribuem ao mesmo algum tipo de responsabilidade. De vilão a aliado. Por gozarem de muitas atribuições, conseguem valorizá-lo de maneira deveras salutar, aproveitando cada momento de maneira muito mais intensa e prazerosa do que aqueles que ficam sobre o efeito da falta de alguma coisa.

Esta justificativa de escassez de tempo torna-se de uma incontestável periculosidade quando constatamos, cada vez mais, o distanciamento dos pais para com seus filhos. A grande força motivadora desse post refere-se a uma cena que presenciara quando adentrei numa escola particular de ensino fundamental a fim de conversar com uma turma de oitavo ano; a temática referia-se aos complicados processos de escolha; conversaria também sobre o curso de Psicologia: exemplos de atuações e desafios vindouros. A instituição apresenta um projeto pedagógico atrelado a valores que prezam o desenvolvimento moral, espiritual e intelectual. Na própria escola, há a moradia de algumas freiras. E uma, em especial, faz questão de – todos os dias – recepcionar, no portão de entrada, todas as pessoas que cruzam o seu caminho. Depois de receber um abraço afetuoso da mesma, presenciei uma criança entrando atabalhoadamente, esbarrando-se na freira, evitando seus comprimentos e adentrando rapidamente na escola. Percebi um olhar de consternação da simpática senhora acompanhando o afastamento da criança. Uma conjectura sobre o que poderia estar passando pela sua cabeça emergiu: “Proteja essa alma, Deus. Pois ela precisará muito de seu apoio!”.

Uma semana antes visitei a escola a fim de tentar (ênfase no “tentar”) conversar com a turma – considerada por todos os professores e coordenadores – mais irascível, temperamental e desrespeitosa da instituição. De fato, devo ter apresentado 5 % do que gostaria. Mais relevante do que apresentar o que havia planejado foi a oportunidade de observa-los de maneira bem natural. Assim que as duas turmas de quinto ano chegaram, uma garotinha que sentara bem próximo a mim comentou: “Desculpa, mas você não conseguirá apresentar”. Questionada, não titubeou: “Porque somos muito bagunceiros! De qualquer forma, boa sorte!”. Dentre as observações de algumas coisas importantes, a mais relevante referia-se a algumas falas consoantes acerca da distância dos pais no dia a dia dos pimpolhos. “Vejo muito pouco meus pais”;  “eles não têm muita paciência”, "Meus pais não tem tempo pra mim". Após duas repreensões dos professores e diversos pedidos de desculpas, estampando um profundo constrangimento devido aos comportamentos de seus alunos, conversava com a diretora e ela relatara a difícil missão da instituição devido a grande negligência de muitos pais, absolutamente ausentes no processo de ensino aprendizagem. A escola encontra-se sobrecarregada, exercendo função de pai, mãe e de instituição de ensino. "A relação dos pais com a instituição se resume ao boletim. Se tiver alguma nota vermelha, eles se manifestam. Caso não tenha, eles nem aparecem na instituição". Uma relação complexa e rica resume-se a um apanhando de notas. Reflexo de uma sociedade narcisista que superestima o desempenho  técnico em detrimento das relações humanas. A boa convivência entre os semelhantes pode ser relegada a segundo plano desde que o filho seja "O" melhor. 

Quando tentava apresentar e fui impedido devido as conversas incessantes, não fiquei irritado. Passou um filme pela minha cabeça e recordei de como Salvador anda mal tratada; em muitos sentidos: político, relações interpessoais, etc. Pessoas intolerantes e imediatistas, relações tão desrespeitosas que um simples gesto de gentileza torna-se um verdadeiro oásis num deserto de intolerância e ensimesmamento. Quando olhei para as crianças, as mesmas que senti uma profunda empatia, cheguei a triste suposição de que elas serão a representação de tudo que acabara de pensar. A manutenção de uma sociedade intolerante, que não consegue pensar e se organizar de maneira coletiva, nem quando o resultado implica em benesses generalizadas.   

Voltando a cena da criança e da freira, nunca tive tanta vontade de ter um filho como depois do que presenciara. Num breve exercício teleológico, acredito piamente que meu filho desejaria bom dia a simpática senhora que lhe acolhera. 



sábado, 14 de julho de 2012

Jin Jang


Itapetinga, 14 de Julho, 11:09 da manhã. Mesmo completando 10 dias de desconfortantes dores na coluna, acordei com um profundo bom humor! Olha que fui tolhido de minha paixão suprema em se tratando de atividades esportivas, tênis. Fica pra próxima! 

Dentro de algumas horas adentrarei numa fenda dimensional e rumarei ao desconhecido. Uma minúscula cidade denominada Encruzilhada que ninguém sabe explicar o que devo fazer para encontra-la. Fora que “não desenvolveram esta tecnologia ainda...” não há ônibus! Tudo para reconhecer, estimular, prestar solidariedade a um grande amigo que tornara-se gerente do banco do brasil desse desconhecido local. Amigos, sem vocês não seria nem sombra do que sou. Ou seria a sombra? Com certeza seria uma representação menos virtuosa, mais alienada, quiçá um mero replicador do modus operandi hodierno, aquele da fuga, do não sentir. Ou uma incomensurável senso percepção culminando assim numa excruciante insensibilidade!  

Estou aqui hoje para exercer um insólito desejo de prospectar palavras, sentimentos e sensações de maneira, muitas vezes, desarticulada, um brainstorm que representa parte do que vivi nessas férias. Essas possuem um gosto diferente das demais. Uma necessária preparação espiritual para lidar com a maior decisão de minha vida pós-formatura. Enquanto não sei qual rumo tomarei, apresento – ulteriormente - uma digressão inspirada numa ótima conversa que tive com uma bela mulher que clama por uma necessária homeostase depois de findado um longevo relacionamento.


Absolutamente normal passar por uma avassaladora crise de abstinência. Você amadureceu como mulher se relacionando de maneira estável. Se adaptar é difícil demais! Principalmente quando se depara com um "mar de insensibilidade". A despreocupação consigo mesma e com os sentimentos de outrem beiraria a barbárie.

Mesmo tendo, guardada no meu coração, a sensação de estar namorando, de participar de um projeto que transcende a esfera do indivíduo, não consegui - ainda - me relacionar com alguma mulher que me sensibilizou a tal ponto.


Depois viera a constatação ululante. Ela, mesmo fragilizada, estimulava experiências que permitisse um contundente contato com a tristeza, com o sofrimento que passara diante da estranheza de não ter um referencial afetivo efetivo (com o perdão da eufonia!)

Que bom, sabia?! Vivemos numa sociedade assolapada por um imediatismo alienante. As pessoas não querem lidar com sofrimento, luto, tristeza... por isso que os relacionamentos estão cada vez mais fugazes. O medo de se deparar com uma frustração/decepção tem impedido o experiencialismo. E o que você está fazendo, ao ouvir músicas que remetem a essa sensação, é justamente respeitando e entrando em contato direto com o sofrimento. A adversidade é a antítese do aprimoramento. Você evolui como ser humano à medida que alterna entre momentos de euforia e disforia. Momentos tristes são importantes para reconhecer a felicidade, o êxtase. Sem isso nossa vida se tornará pasteurizada, estéril e sem graça!

Não pude deixar de me solidarizar com os relatos e tratei de me aprochegar no âmbito da incompletude. 

Algumas vezes sou surpreendido por uma profunda sensação de prostração, resignação. Uma tristeza contagiante. Quando identifico esses estados, trato de respeita-los. Fico em casa curtindo minha fossa, vendo um filme “mamão com açúcar”, ou algo do gênero. Sei que ela, da mesma forma que chegou, saíra se a relevância dada for na medida certa.

Não tento artificializar um comportamento. Sair pra balada e pegar todo mundo como uma maneira de enfatuação de ego não me parece – normalmente – uma boa opção. Isso faz com que nos distanciemos de nós mesmos. Nada contra quem curte baladas e pegações! Desde que essas pessoas saibam, também, respeitar a si próprias e a quem - por ventura - estiver envolvida.

Faz parte de um projeto de vida que resolvi abraçar: estimular amigos queridos e benquistos (É, estou bem eufônico hoje!) a lidar com seus próprios fantasmas. Não apenas eles, mas especialmente eles. Vivemos numa sociedade que clama pela extirpação do que considero a força motriz do desenvolvimento humano. É natural nos depararmos com propagandas (nos mais variados meios) que vituperam nosso bom senso, convidando-nos – cada vez mais – ao não sentir. O luto, a tristeza, a falta de atenção (momentânea e circunstancial), a introversão, a extroversão são considerados vilões e passíveis de repreensão num contexto sócio cultural que clama pela homogeneidade (alienação). E tal movimento (nefasto) é metonimicamente representado vide um medicamento: um psicofármaco, por exemplo. Uma pretensa pílula que traz em si a arrogância de uma sociedade que se desvencilha da salutar dialética inerente ao ser humano. Tornamo-nos viciados do prazer, do regozijo e repelimos peremptoriamente o dissabor. 

Relacionamentos sérios? Não, obrigado! Cedo ou tarde sofrerei! 

Meu ente querido morreu há dois meses e ainda estou triste. Isso não é normal! (não?!)

Para que meu post não assuma proporções bíblicas, terminarei com uma reflexão.  Uma sociedade viciada nas boas sensações não estaria entrando num ominoso processo de insensibilidade? O prazer e desprazer não existem dissociados. Prefiro acreditar que são como partículas de um mesmo elemento. Identificamos as boas sensações porque nos é apresentado à contramedida. Perdendo o contra referencial, não estaríamos entrando num periculoso momento de convite à barbárie e a amorfização do sujeito? 





terça-feira, 12 de junho de 2012

Midsommarafton “De seu Valentim”

São João é o período do ano que mais me proporciona sensações positivas. Uma súbita excitação percorre todos os meandros do meu corpo. Me remete - de maneira saudosista - ao estimado interior, especificamente o sudoeste baiano. 

Muitas coisas me agradam! O período do ano, início do inverno, o aconchegante frio que assola as madrugadas açoitadas por imperativas sinestesias: neblina, cheiro de pólvora, o vapor do milho verde, o exalante odor revigorante do quentão... 

É, também, o momento de sentir-me fragilizado com a falta do outro. Sinto-me um romântico solitário exposto a falta de seu objeto de reverência. 

Quando criança estourava bombinhas e escutava comentários lacônicos do meu velho: "Literalmente queimando dinheiro!".  A festa no clube então?! Era a cereja do bolo. O tradicionalíssimo Coroas Country Club, testemunha longeva de muito forró e diversão. 

Que venham os festivos juninos!



Elegância nas vestimentas
Beleza em profusão 
Frio 
indelével desejo de estar próximo 
Enamorar-se 
Aconchego gostoso no outro 
Peremptório romantismo 
Magnânimo desejo do bem 
Aflora a falta de um amante
Potencializa as carências 
Fragiliza o corpo
Estar só 
Imerso na irrefragabilidade do desejo 
A carne 
Efêmeros
Muitos outros 
imposta solidão
Ônus de não ser ninguém
Sem par
Um pária


terça-feira, 5 de junho de 2012

A supressão da obviedade ululante

Normalmente sou a antítese desse vídeo. Seria esse o motivo de, esporadicamente, ser assolado por uma crise de inadaptabilidade? 


Estariam as pessoas preparadas, diante do ensimesmamento reinante, para lidar com a sinceridade, com o reconhecimento, ou um genuíno afeto?   

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Filosofia do Cotidiano


Já me motivei a escrever no blog de maneiras distintas. Seja a fim de prestar um reconhecimento, um reverenciamento; seja para denunciar algo ou para externalizar minhas lamurias. É a primeira vez que me sinto incitado a escrever vide um sangramento consubstanciado de um ardor persistente. Isso não é uma metáfora!

Engraçado constatar que há um padrão quando as coisas arrolam a desandar. Assim que coloquei o pé pra fora do carro, na orla da Pituba, a chuva fez questão de me desejar seu “bom dia!” sinalizando que me acompanharia nos próximos 45 minutos de corrida.

Não costumo ser competitivo. Apesar de brioso, é difícil, hoje em dia, me aperceber comparando padrões comportamentais à outrem, muito menos mensura-los. Mas algo se transforma quando estou correndo. Algo me impele a – toda vez que alguém passa por mim num ritmo mais forte – acelerar o passo, uma autoprova a fim de gerar um saciar da incólume necessidade de competir e vencer (?). Estranho conjecturar isso.

Enfim, como “não há nada tão ruim que não possa ser piorado”, eis que surge um sujeito num ritmo mais acelerado me passando discretamente. Em períodos pregressos, daria um jeito de passa-lo e regozijar-me-ia diante da “conquista”. Mas pelo segundo dia consecutivo tentei fazer algo diferente: “Posso acompanhar seu ritmo?”. Em ambas às vezes a reação dos corredores foi positiva e a corrida se desenvolveu tranquilamente. Gostei dessa relação cooperativa. Mesmo vivendo no ápice do ensimesmamento, constatei que ainda há solidariedade nessa selva de pedras!  Mas nessa ultima teve um tempero especial. Meu atual parceiro estava treinando para a meia maratona e estava correndo cerca de 11 kms (!!!). Eu, claro, resolvi acompanha-lo. Divertido observar seu pragmatismo: dois relógios, um medindo nossa velocidade média: “11,7 kms por hora !!!” , o outro cronometrando o tempo e suas incessantes olhadelas para os mesmos. Acho que ele despendia mais energia nesse ritual do que na corrida em si.

A Nike, maior empresa do ramo de material esportivo, orgulhosa dos seus tênis super high tech me produz um “running shoes” que escorrega mais do que quiabo. Quando estou com ele calçado dentro de casa, sinto-me numa pista de gelo! Chega a ser ridículo despender dolorosos R$ 200,00 (“Preço super promocional!”) num tênis que não consegue proporcionar o básico, sustentação...

Estávamos fazendo a volta para finalizar a maior parte do percurso (eu, ele e meu tênis-algoz) e eis que um corpo, precisamente o joelho e a mão direitas, se estatela no chão. Na verdade o ensejo foi temperado com requintes de crueldade. O piso é aquele concreto, repleto de pedrinhas pontiagudas, sadicamente dispostas, aguardando ansiosamente para saciar-se e fatiar partes dos frágeis corpos infortunados. Eu, claro! Continuei a correr e com uma risadinha de quem acabou de se ferrar comentei em voz alta para as mulheres que passavam: “Cuidado! O piso está escorregadio!”. Correndo com o joelho sangrando e atraindo olhares de consternação. Depois de mais alguns tortuosos minutos despedi-me do meu parceiro que, solidário, pediu que eu cuidasse do ferimento.

Encerro esse relato recordando-me de uma divertida e determinística frase que um amigo e filosofo do cotidiano costuma utilizar: “Prego nasceu pra ser martelado!”.


Making Off da sessão fotografia: 

 
Lica, Papagaio de Pirata!


domingo, 13 de maio de 2012

Um necessário pleonasmo

Hoje, pela manha, conversando contigo, mãe, proferi distraidamente: "não vejo tanta relevância no dia das mães, pra mim [...]" dona Liege interpelou rapidamente: "Acho importante sim! Um dia muito especial!" deu seguimento falando das coisas (diversas) que planejara fazer com minha estimada vozinha. Senti-me um pouco consternado, não queria passar uma impressão de descaso para com uma data que considerava tão relevante. É claro que você não teve a minima disposição de compreender o sentido metalinguístico do enunciado. Mas nem deveria! Afinal de contas estamos no dia das mães, certo?!  

Agora, através de um autorelato, tenho a disposição meus sentimentos e o veemente desejo de documenta-los.  Continuando onde fui interrompido hoje cedo ... você deveria ser alçada a categoria de pessoa mais relevante durante todos os dias do ano. Tanto é verdade que, quando se encontra próxima a mim e não consigo atender as suas demandas de uma maneira plena, sinto-me angustiado, faltante. Penso em ti com ternura, amor, reverencia, zelo, ... diariamente. Es uma Matrona de força maior. O sentido "mãe" transcende (e muito) a esfera da família nuclear. Preocupa-se com seus familiares. O sentimento de zelo materializa-se em ações que promovem bem estar generalizado. Uma abnegação que se enamora com um altruísmo louvável.  

Cada palavra produzida está imbuída de um profundo agradecimento. Infelizmente temos uma clara limitação, a da escrita. Precisaria de infindáveis neologismos para tentar reificar uma profusão de fenômenos inomináveis. Na certeza da impossibilidade de tal empreitada, resta-me o regozijo de um necessário pleonasmo. Obrigado por ser você, e nenhuma outra, a pessoa mais importante de minha vida. Amo-te!   

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Aforismo

Último ano do curso de Psicologia. Hoje, 13 de Abril de 2012, a professora me convidou (e os demais colegas) a criar um aforismo (preceito expresso em forma de sentença breve). Provavelmente me omitiria caso não fosse estimulado pela docente e pelos colegas. Já passavam das 22 horas e a sala estava vazia. Alentou os eventuais comentários, muitas vezes derrisórios a respeito de minhas produções textuais. Creio que muitos associam minha parca erudição a um sentimento de enfatuação. É um caminho possível, mas minha vaidade vem drasticamente diminuindo ao longo do tempo. Não daria esse (de) mérito a ela. Confesso-lhes que sou escravo de meu próprio formalismo literário. Até em conversas informais, seja nas redes sociais, seja através de uma mensagem do celular, ou qualquer situação que eu seja impelido a produzir textualmente, a famigerada e internalizada necessidade de utilizar palavras não muito usuais vem à tona. Antes acreditava piamente que era uma estratégia impressionista, uma maneira pomposa de externalizar um diferencial. Depois percebi claramente que era algo que transcendia a esfera do enamoramento, mesmo porque tenho fortes desconfianças que muitas mulheres se distanciaram temendo que eu fosse um homem que se escondia atrás de um complexo linguajar. Clarificando, um homem portentoso no âmbito do desenhar das palavras, porém muito aquém em se tratando das necessárias manifestações físicas, presenciais. Algumas mulheres me tolheram da possibilidade de um encontro, um tet a tet, através do preconceito de linguagem! É interessante ressaltar, já que esse é a antítese do desprovido. Descobri que o excesso suscita peremptoriedade, pode ser tão limitador quanto à limitação da escrita. Muitas vezes tentei me adaptar, na ânsia de aumentar minhas chances no cortejo. Mas soou cômico demais, pra não dizer estabanado. Senti desconforto e inadaptabilidade. O que fatalmente me gerou algum tipo de crise, um ensimesmamento. A tentativa obsedante de, através das palavras, externalizar, esmiuçar sentimentos e desejos, culminou num ominoso paroxismo.

A misantropia do homem é reflexo do seu ensimesmamento

Voltei ao romantismo do: “Se tiver de ser, terá que ser com todo o pacote de (im) perfeições que possuo”.
Agir de maneira impulsiva me transformou num ser amorfo, destoante de mim mesmo; tolhido de minhas próprias idiossincrasias.

A impulsividade é o incendioso catalisador dos incomensuráveis

Para atenuar tamanha confusão, tive a hombridade de reconhecer que preciso lidar com minha incapacidade de ser alguém que não gostaria de ser! Não consigo e não devo mitigar um desconforto tentando criar um alter ego que destoa sensivelmente de meus referenciais. O saudosismo de uma ensandecida paixão pode ser considerado uma intensa e prazerosa lembrança de um tempo que passou. E por que não acreditar num ressurgimento do mesmo?  

A mitigação do sofrimento é a antítese da paixão ébria

Esse post é graças a uma colega que, na saída da faculdade brincou: “Acho que às vezes você utiliza esses nomes pomposos apenas como uma forma de engodo”. Voltei pra casa com essa “provocação” em mente. Os aforismos criados são esses em negrito e itálico. Lembrei-me do bom velhinho Freud e de seus ensinamentos a respeito da associação livre e tentei encontrar, nessa cabeça repleta de elucubrações, uma explicação para a criação dos mesmos. Se não for essa, talvez seja mais uma forma de engodo, um auto-engodo! 


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Roger Waters - The Wall

Ainda sinto o frenesi de umas das experiências mais fenomenais que tive o prazer de experienciar. Estou cansado, quase não dormi de ontem pra hoje, mas inebriado. Não farei um comentário técnico/descritivo, mesmo porque, confesso-lhes, muito do que ouvi a respeito já havia trafegado do consciente para o inconsciente: as letras, a ordem das músicas, as frases de efeito, os detalhes sórdidos. Pensei até em aprimorar meu conhecimento, pesquisar mais a respeito, assistir ao filme novamente para ai sim produzir algo, mas logo percebi que cometeria uma heresia. O que eu vi ontem no estádio do Morumbi, das 19:45 as 22:00, transcende a alcunha “show”, “espetáculo”, “apresentação” e clama por um relato imediato e passional. Os momentos que antecederam ao evento deu pra ter uma ideia de que algo ímpar aconteceria. Pessoas educadas, empolgadas e um clima ameno formavam um ótimo ambiente para o que estava por vir.

Nada mais justo do que expor esse momento da maneira mais impressionista possível. Roger Waters e The Wall são indissociáveis. Um daqueles mágicos momentos em que há perfeita simbiose entre criador e criatura. A qualidade do som, os efeitos especiais, a magnifica produção do muro, o fantoche do professor e os diversos outros elementos são utilizados de maneira sublime, faz-nos imergir num mundo psicodelicamente critico e político. Impressionante saber que uma produção do final da década de 70 adquiriu o imperativo status de anacrônico, de maneira incontestável e de charmosa singularidade. Foi emocionante do inicio ao fim. O intervalo de 15 minutos (entre a primeira e a segunda parte) não quebrou o clima de imersão, na verdade foi providencial! Uma parada no banheiro fez-se mais do que necessária e angustiava o simples pensamento de perder parte do ensejo. Há de mencionar a maneira afetuosa e reverenciosa que Waters tratou os brasileiros: seja homenageando Jean Charles (brasileiro morto na Inglaterra), seja utilizando frases e expressões em português, com a tradução de um trecho emblemático: “Mãe, devo confiar no governo?” e a peremptória resposta: “nem fodendo!”.

Alcei o que vi a uma categoria que transcende a uma apresentação artística, não seria justo comparar com os que virão. Encerro minhas impressões recomendando veementemente aos que puderem, que se permitam passar pela experiência que passei: visceral, insurrecional, incitadora de lutas e resistências a uma sociedade assolapada por uma alienação reificante. Ontem foi a prova cabal do quão enriquecedor pode ser uma experiência audiovisual. Faz-nos lembrar que a criatividade e a criticidade são ferramentas capazes de mudar nossos mundos, mesmo que seja aquele da fantasia, do entorpecimento, do momentâneo.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Laissez faire, laissez aller, laissez passer...


Gosto dessa expressão em latim. Na verdade virou moda, né? Segundo post que coloco uma expressão utilizando uma lingua morta. Talvez eu seja um pouco mórbido mesmo! rs


Ela quer dizer "deixai fazer, deixai ir, deixai passar...". Perfeita consonância com a experiência que compartilharei aqui:

Salvador, 03 de Fevereiro de 2012

Num final de tarde soteropolitana, constando 30 º no relógio em frente ao farol da barra, caminho com relativa dificuldade. É notório meu mal humor e semblante de preocupação. Há cerca de um mês, torci o tornozelo jogando futsal na quadra do Savina (colégio tradicional de Itapetinga) e desde então fui impedido de realizar minhas atividades físicas rotineiras (e prazerosas). Dei um pique até o porto, mas na volta resolvi voltar caminhando devido ao receio de prolongar minha lesão. Quando estava passando pelo que já foi o clube espanhol, recebo um empurrão e subitamente sinto que minha corrente e pingente (ambos de ouro e de imensurável valor afetivo) foram arrancados. Quando tento identificar o autor, vejo um ladino de lvl 2 correndo (num ritmo de cooper ao meu lado). 

Definitivamente me tornei um cara profundamente racional. Comecei a pensar em algumas possibilidades: 

- O ladrão é menor do que eu. Goza de porte físico semelhante. Trajava uma bermuda preta de malha e uma camisa vermelha. Arma de fogo? Não. Arma branca ou algo parecido? Talvez; 

- Vindo ao meu encontro (sem perceber o que ocorrera) três brutamontes. Poderia alertá-los do ocorrido e pedido ajuda. Mas vivemos numa sociedade egocêntrica (talvez não fizessem nada), provavelmente seriam bem lentos e não conseguiriam nos alcançar e caso o ladrão estivesse armado, me encontrariam fatiado. Fora o agravante da greve dos policiais. Poderia existir comparsas, o que agravaria minha situação; 

- Estou com um tornozelo torcido e provavelmente não conseguiria alcança-lo caso tentasse recuperar meus pertences. Mesmo gozando de saúde perfeita, provavelmente o estimulo dele seria bem maior do que o meu numa corrida ^^ 

- Fui assaltado de maneira semelhante no carnaval de longos anos atrás. Roubaram uma volta e um pingente de ouro que Dona Liege (mãe) havia me dado. O que foi roubado hoje era presente do meu pai. 7-8 anos de bom uso e com o devido cuidado. Pagou o valor material. Se o "Um anel" teve mais de um dono, por que minha joia preciosa não pode ter também? rs

Tirando a alusão ao senhor dos anéis, pensei em tudo isso quando o via - do outro lado da rua - em direção ao morro do gato. 

Sabia da periculosidade que se encontra Salvador devido à greve da polícia, mas infelizmente essa volta fazia parte do meu corpo e esqueci completamente de tirá-la.

Pela primeira vez não tive um sentimento de impotência ou indignação por ter sido roubado. O que isso quer dizer não sei responder-lhes. Naturalização da violência? Conformismo? Resignação? Medo travestido de racionalidade?

Faço parte dessa violência. Antes, de maneira peremptória, acusaria o outro, desferiria diversos impropérios e o colocaria como representação máxima da pútrida estirpe humana. Mas posso refletir um pouco mais e adentrar numa seara sociológica. A violência é condição sine qua non do ser humano, ou encontra-se em contextos permeados de injustiças dos mais variados âmbitos? 

Prontidão, amigos que moram aqui. Mas lembrem-se que o outro de hoje, o rapaz do cooper mencionado acima, é elemento fortemente representativo de nossa sociedade. É uma mensagem imperativa de que muita coisa precisa mudar e nos faz pensar que o "deixai fazer, deixai ir, deixai passar" não condiz com o tipo de conduta necessária a fim de alcançar uma desejosa mudança paradigmática.