terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Escolástica da Hodiernidade


Há tempos não escrevo algo. Confesso que deve-se a uma simples e inconteste negligência. Sou um crítico ferrenho de toda e qualquer justificativa em que subjaz a célebre frase: “Não tenho tempo”. Somos adaptáveis demais para acreditarmos em justificativa tão pífia. Normalmente os que menos – nesta lógica contestável - têm tempo, são os que menos atribuem ao mesmo algum tipo de responsabilidade. De vilão a aliado. Por gozarem de muitas atribuições, conseguem valorizá-lo de maneira deveras salutar, aproveitando cada momento de maneira muito mais intensa e prazerosa do que aqueles que ficam sobre o efeito da falta de alguma coisa.

Esta justificativa de escassez de tempo torna-se de uma incontestável periculosidade quando constatamos, cada vez mais, o distanciamento dos pais para com seus filhos. A grande força motivadora desse post refere-se a uma cena que presenciara quando adentrei numa escola particular de ensino fundamental a fim de conversar com uma turma de oitavo ano; a temática referia-se aos complicados processos de escolha; conversaria também sobre o curso de Psicologia: exemplos de atuações e desafios vindouros. A instituição apresenta um projeto pedagógico atrelado a valores que prezam o desenvolvimento moral, espiritual e intelectual. Na própria escola, há a moradia de algumas freiras. E uma, em especial, faz questão de – todos os dias – recepcionar, no portão de entrada, todas as pessoas que cruzam o seu caminho. Depois de receber um abraço afetuoso da mesma, presenciei uma criança entrando atabalhoadamente, esbarrando-se na freira, evitando seus comprimentos e adentrando rapidamente na escola. Percebi um olhar de consternação da simpática senhora acompanhando o afastamento da criança. Uma conjectura sobre o que poderia estar passando pela sua cabeça emergiu: “Proteja essa alma, Deus. Pois ela precisará muito de seu apoio!”.

Uma semana antes visitei a escola a fim de tentar (ênfase no “tentar”) conversar com a turma – considerada por todos os professores e coordenadores – mais irascível, temperamental e desrespeitosa da instituição. De fato, devo ter apresentado 5 % do que gostaria. Mais relevante do que apresentar o que havia planejado foi a oportunidade de observa-los de maneira bem natural. Assim que as duas turmas de quinto ano chegaram, uma garotinha que sentara bem próximo a mim comentou: “Desculpa, mas você não conseguirá apresentar”. Questionada, não titubeou: “Porque somos muito bagunceiros! De qualquer forma, boa sorte!”. Dentre as observações de algumas coisas importantes, a mais relevante referia-se a algumas falas consoantes acerca da distância dos pais no dia a dia dos pimpolhos. “Vejo muito pouco meus pais”;  “eles não têm muita paciência”, "Meus pais não tem tempo pra mim". Após duas repreensões dos professores e diversos pedidos de desculpas, estampando um profundo constrangimento devido aos comportamentos de seus alunos, conversava com a diretora e ela relatara a difícil missão da instituição devido a grande negligência de muitos pais, absolutamente ausentes no processo de ensino aprendizagem. A escola encontra-se sobrecarregada, exercendo função de pai, mãe e de instituição de ensino. "A relação dos pais com a instituição se resume ao boletim. Se tiver alguma nota vermelha, eles se manifestam. Caso não tenha, eles nem aparecem na instituição". Uma relação complexa e rica resume-se a um apanhando de notas. Reflexo de uma sociedade narcisista que superestima o desempenho  técnico em detrimento das relações humanas. A boa convivência entre os semelhantes pode ser relegada a segundo plano desde que o filho seja "O" melhor. 

Quando tentava apresentar e fui impedido devido as conversas incessantes, não fiquei irritado. Passou um filme pela minha cabeça e recordei de como Salvador anda mal tratada; em muitos sentidos: político, relações interpessoais, etc. Pessoas intolerantes e imediatistas, relações tão desrespeitosas que um simples gesto de gentileza torna-se um verdadeiro oásis num deserto de intolerância e ensimesmamento. Quando olhei para as crianças, as mesmas que senti uma profunda empatia, cheguei a triste suposição de que elas serão a representação de tudo que acabara de pensar. A manutenção de uma sociedade intolerante, que não consegue pensar e se organizar de maneira coletiva, nem quando o resultado implica em benesses generalizadas.   

Voltando a cena da criança e da freira, nunca tive tanta vontade de ter um filho como depois do que presenciara. Num breve exercício teleológico, acredito piamente que meu filho desejaria bom dia a simpática senhora que lhe acolhera.